Por Manuel Espírito Santo

Escrever sobre Guido Crepax é mais que uma mera incursão pelos caminhos insondáveis da lascívia, erotismo, sonho e fantasia. Sou suspeito ao escrever sobre este autor dado o meu gosto pessoal pela sua obra e de outros autores intemporais que foram amigos do mesmo; casos de Hugo Pratt, Dino Bataglia e Sergio Toppi que na minha opinião fazem parte de um lote restrito na nona arte como dos melhores de sempre. Lembro-me de me ter deparado com as estórias oniricas dos mundos de "Valentina", "Anita", "Belinda" e de "Bianca" nos finais dos anos 80, princípios dos 90 na revista Linus e posteriormente na Charlie Mensuel. Sempre tentei fazer um paralelismo da arte deste autor com o cinema e provavelmente com o meu período favorito do cinema: o neo-realismo italiano com os filmes de Visconti, Antonioni, Rossellini, De Sica, Fellini e perdido nas minhas memórias lembro-me de num qualquer puzzle criado na minha mente fazer algumas ligações da obra de Crepax ao fabuloso mundo deste último. Penso que pode ser um pouco leviano reduzir a estética deste autor ao seu lado erótico dado o detalhe que colocava num qualquer desenho que criava e ao qual atribuía muito da sua essência e do seu peculiar mundo interior.

Crepax construiu não meras personagens (cujo expoente máximo foi "Valentina" personagem inspirada na sua mulher), mas sim toda uma cultura Pop que revolucionou o modo como os leitores viam a banda desenhada, quer com as suas incursões pelo mundo cinematográfico quer com as suas incursões à cultura Pop e mesmo à literatura através de adaptações de escritores como: Sacher Masoch, Marquês de Sade, Pauline Reage, Edgar Allan Poe e Franz Kafka, e onde se notava que os seus desenhos não eram meramente estáticos e continham um movimento fora do comum nesta arte.

Quadradinhos perdidos e libertos numa página em branco, Crepax dava liberdade de espaço aos seus personagens e às suas obras ficando o leitor com a mente completamente liberta das "amarras" de ler vinheta a vinheta, quadradinho a quadradinho. Crepax criou um estilo muito próprio nesta arte, sendo um inovador na mesma onde o sonho/realidade eram mais que meros lugares comuns e eram fundidos sem uma ordem cronológica específica (como se o tempo de repente ficasse parado e voltasse a andar descontinuadamente sem uma ordem específica).

Escrever sobre este autor é escrever sobre a nona arte como um dos máximos expoentes de todas as artes numa só e basta olhar para a sua obra para nos abstrairmos de todo um mundo demasiado fechado que parece envolto numa caixa para absorvermos toda a liberdade mental que este autor nos proporciona.

Beja irá ter este ano uma exposição dedicada a este autor e o que mais me impressionou foi o modo como os seus filhos viam o seu pai enquanto este era vivo. Crepax não era somente um bom contador de estórias ou um bom desenhista, mas sim uma pessoa que inovava na nona arte e na vida e ainda hoje os seus filhos têm a perfeita noção do que ele trouxe para esta arte. Deixem-se surpreender pela belíssima arte deste autor na exposição do Festival Internacional de BD de Beja deste ano, e se puderem tentem comparecer a uma conversa/debate com a presença dos seus filhos: Caterina e Antonio neste festival, com o maior conhecedor de banda desenhada do mundo: Paul Gravett, o autor de BD brasileiro do momento: Eduardo Filipe Sama e comigo, sem qualquer tipo de moderação e com o máximo de liberdade e interacção possível, tal e qual como as obras criadas por Crepax.


De notar ainda que irão existir homenagens feitas por autores nacionais à personagem "Valentina" por Derradé, Osvaldo Medina, Ricardo Drumond, Tiago Araújo e pelo artista brasileiro: Eduardo Filipe Sama.

Beja será este ano um dos principais pontos de passagem a nível internacional no que à banda desenhada diz respeito com esta e outras exposições onde um mero quadradinho pode ter toda a liberdade do mundo.
Manuel Espirito Santo, da Invicta Indie Arts, é o "responsável" pela exposição dedicada a Crepax que esteve patente em Beja. No seu blog tem um extenso artigo sobre Crepax, Valentina e a homenagem que lhe foi prestada, podem encontrar fotografias sobre a exposição no Kuentro e no aCalopsia.