Texto de Nuno Neves | Foto: Kuentro.


All I really want to do is draw monsters
Esta frase resume bem a paixão de uma vida de um tal de Michael Joseph, autor americano de banda desenhada. O seu apelido? Mignola. Nascido em 1960, em Berkeley, Califórnia, Mike Mignola como é tratado, desde muito novo que tem monstros e fantasma a habitarem-lhe o seu subconsciente. E não se trata de uma lenda, até porque o próprio confirma, que foi, com a idade de 13 anos, na leitura de Drácula, a obra-prima de Bram Stocker, que a sua ligação ao universo do misterioso e do fantástico se estabeleceu.

Profissionalmente, estreou-se em 1980, com a publicação de uma ilustração de Red Sonja nas páginas da Comic Reader #183; um ano depois, na Comic Reader #196, assina a sua primeira capa, desenhando as personagens Dominic Fortune, The Spirit e Doe Savage.

Formado pela California College of Arts and Crafts, em 1982, Mignola ruma a Nova Iorque, esperando fazer da sua paixão de «desenhar monstros» um modo de ganhar dinheiro. É contratado pela editora Marvel como arte-finalista de histórias do Daredevil, PowerMan & Iron Fist. Assume-se também como desenhador de histórias de Rocket Racoon, Alpha Flight e Hulk. Ao longo da década de oitenta, trabalhará em vários projectos para a Marvel trocando-a depois pela DC Comics. O seu estilo gráfico, aprimorado pela experiência entretanto adquirida, caracteriza-se por um género que Alan Moore definiu como "the German expressionism meets Jack Kirby". Os inícios dos anos 90, marcam em definitivo o percurso de Mignola. Autor completo, trabalhando tanto como argumentista como desenhador, muda-se para a Dark Horse Comics. É aqui nesta editora que tudo acontece.

Respondendo a um convite para apresentar um novo personagem, faz nascer, em 1994, das entranhas do inferno, uma das personagens mais complexas do mundo da banda desenhada: Hellboy. Na sua primeira história Seed of Destruction (Sementes de Destruição foi publicado em Portugal pela Devir em 2003), escrita em colaboração com John Byrne, é-nos logo apresentada a sua origem. Um demónio conjurado do inferno por Rasputine, aliado das forças do Terceiro Reich, no decurso da 2a Guerra Mundial, que acaba por ser resgatado pelo Professor Trevor Bruttenholm, que o cria e educa a combater as trevas, como agente da B.P.R.D. (Bureau for Paranormal Research and Defense). Com a acção sempre a acontecer em locais de mistério, povoados por forças ocultas e sobrenaturais mais variadas e de toda a espécie, situados em qualquer parte do mundo, Mignola realiza-se a escrever e a "desenhar monstros", explorando o folclore popular, dando corpo a lendas e mitos locais, fazendo muitas vezes decorrer as histórias em função de ambientes e arquitecturas misteriosas.

Foi por exemplo, o que aconteceu com Portugal, numa história ainda inédita entre nós, intitulada In the Chapel of Moloch (de 2008), que foi pensada para decorrer praticamente dentro de uma antiga capela, ainda que não tivesse definido qualquer lugar em particular. Na pesquisa que efectuou para encontrar um edifício que gostasse de desenhar, Mignola encontrou um livro sobre Portugal, com uma série de imagens interessantes de uma antiga capela, a Capela de S. Sebastião. Foi o suficiente para que a acção se situasse em Tavira, Algarve.

E assim passados 20 anos, desde da sua primeira aparição, Hellboy é um caso de sucesso com treze livros publicados e um universo expandido, fazendo de Mignola um autor premiado, inspirador e um nome incontornável na história da banda desenhada. No festival de Beja, o reconhecimento ao talento de Mike Mignola, faz-se como não podia deixar de ser pela arte, e pelo talento de autores nacionais, como Andreia Rechena, Carla Rodrigues, Carlos Pedro, Filipe Andrade, Filipe Teixeira, GEvan, Jorge Coelho, Miguel Montenegro, Nuno Plati, Pedro Potier, Ricardo Reis e Rui Inácio, em exposição. Mignola/Hellboy está de novo em Portugal.